O procedimento especial das ações possessórias

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É certo que quando se aciona o Poder Judiciário, para que se conserve a credibilidade da prestação do serviço jurisdicional, é imperativo que se encontre um cenário justo, adequado e minimamente satisfatório frente às expectativas daquele que busca a solução do conflito.

É por isso que, à luz do que traz o artigo 5º, XXXV da Constituição Federal, ninguém pode afastar a possibilidade do Poder Judiciário de julgar e resolver um conflito (princípio na inafastabilidade da jurisdição).

O processo deve criar condições para que todo e qualquer jurisdicionado se sinta tratado com igualdade de forças, oportunidades e condições em relação à parte contrária e eventuais terceiros que possam intervir no processo. Todos devem se sentir em condições igualitárias de atendimento pelo Estado-Juiz, com respeito à oportunidade e direito de participar do livre convencimento do Juiz. Por isso, o processo deve ser organizado de acordo com um conjunto de leis que garante segurança jurídica sem deixar de vislumbrar a duração razoável do processo.

Contudo, há conflitos em que não é possível admitir a demora natural de um procedimento comum, de modo que o legislador criou regras pontuais que incidirão em situações excepcionais quando se está diante de uma situação peculiar de agressão a um direito.

Os procedimentos especiais, portanto, nada mais são do que uma espécie de adaptação da tutela processual comum à realidade específica de uma relação de direito processual, amoldada às peculiaridades da crise que busca ser solucionada pela atividade jurisdicional, possibilitando o efetivo acesso a uma ordem jurídica justa e igualitária.

Dentro dos procedimentos especais, o nosso ordenamento jurídico confere proteção à posse, permitindo que o possuidor a defenda por meio de ações ou interditos possessórios: ação de reintegração de posse (no caso de esbulho), a de manutenção de posse (no caso de turbação) e o interdito proibitório (no caso de ameaça). O que as diferencia é a intenção do autor que pode ser de recuperar, conservar ou proteger a posse.

DA POSSE

O artigo 1.196 do Código Civil considera possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade, que são: usar/gozar/fruir/tirar vantagens da coisa, dispor da coisa ou reaver de quem injustamente a possua ou a detém. Qualquer pessoa que tenha qualquer desses direitos, sendo por ela exercitado sobre alguma coisa determinada, é considerado possuidor.

A posse nada mais é que o exercício de fato, pleno ou não, de um dos poderes inerentes ao domínio. De fato, a propriedade é o direito real de usar, gozar ou fruir, dispor e reivindicar (os quatro atributos do direito de propriedade). Assim, aquele que atribui, por exemplo, o uso à propriedade, é considerado possuidor. Para conceder mais efetividade à propriedade, o direito protege o possuidor1.

A partir dessa constatação, verifica-se que o legitimado ativo para propor uma ação possessória é o possuidor que vê a sua posse ameaçada, turbada ou esbulhada. Por outro lado, tem legitimidade passiva aquele que age de modo a ameaçar, turbar ou esbulhar a posse alheia.

Esbulho é a perda total ou parcial da posse; pressupõe-se que a vítima tenha perdido a posse do bem por um ato de agressão. Na turbação não há a perda, mas há prejuízos ao exercício do direito da posse em razão de conduta alheia, em que o possuidor não consegue livremente exercitar de fato um dos poderes inerentes à propriedade. Por fim, na ameaça não há atos materiais concretos, é uma projeção e intenção que demonstra a iminência do risco de concretização da turbação ou do esbulho. Para qualquer uma destas ordens de ofensa à posse cabe a proteção possessória e, na via judicial, isso ocorrerá, a rigor, por meio das ações possessórias.

O fato de existir um possuidor direto não afasta a condição de possuidor daquele que cedeu a sua posse temporariamente. Imagine-se um comodato (empréstimo) de um bem, em que o comodatário está com a coisa em seu poder – ele está na condição de possuidor temporariamente, pois a qualquer tempo pode haver rescisão do contrato e a restituição da coisa. Sendo temporária essa posse direta, o possuir pode defendê-la contra o possuidor indireto, ou seja, se aquele que emprestou a coisa estiver abusando do seu direito e se projetando contra o possuidor direto querendo reaver a coisa antes do tempo de modo arbitrário, o possuidor direto tem o direito de defender a sua posse contra o possuidor indireto por meio de ação possessória. É o que traz o artigo 1.197 do Código Civil. A posse direta não anula a posse indireta, mas o possuidor indireto não pode se projetar como bem entender contra a posse do possuidor direto. Se o fizer de modo abusivo e contrário ao que o direito lhe permite, o possuidor direto tem proteção possessória para defender a sua posse.

O artigo 1.198 do Código Civil traz o conceito de detentor como sendo aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas. Por exemplo, o caseiro de uma determinada propriedade; ele não é possuidor e sim mero detentor.

DA VEDAÇÃO À EXCEÇÃO DE DOMÍNIO

É certo que não obsta a manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade ou de outro direito sobre a coisa. Ou seja, a simples alegação de propriedade do bem pelo réu em uma ação possessória não garante a possibilidade de o proprietário reaver a posse de modo absoluto e sem discussão, pois o fundamento da ação possessória é a proteção à posse e não à propriedade. Na verdade, a disputa aqui é pela melhor posse, não há que se falar em alegação de propriedade.

Há que se debater fundamentalmente a posse, que pode ser legitimamente exercida mesmo em face do proprietário do bem que, por alguma circunstância (legal ou contratual) não seja o legítimo possuidor2.

Sendo assim, é absolutamente irrelevante a pura alegação de propriedade quando se discute quem tem a melhor posse. Não se permite a propositura de ações que discutam a propriedade no curso da ação possessória, como determinar o artigo 1.210, § 2º do Código Civil: “não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa”.

DA REGRA DA FUNGIBILIDADE

O artigo 554 do Código de Processo Civil traz o princípio da fungibilidade determinando que a propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados.

A fungibilidade se justifica na exata medida em que o autor pede a proteção possessória pertinente, sendo irrelevante, demonstrada a necessidade e a ofensa à posse, que tenha requerido o remédio correto3.

Ou seja, se há propositura de uma ação de reintegração de posse, por exemplo, com entendimento de que o possuidor sofre esbulho, mas o juiz, analisando a causa entende que, na verdade, há turbação e a ação cabível é manutenção da posse, o juiz vai receber e processar a ação como manutenção de posse. Isso se justifica pelo dinamismo da ofensa possessória, que pode evoluir da ameaça para o esbulho, da turbação para o esbulho etc.

O que releva, portanto, é que se conceda ao magistrado liberdade para atribuir ao caso a proteção possessória que se mostre adequada à defesa dos interesses do possuidor vítima de ilícito possessório, reintegrando-o ou mantendo-o na posse, independentemente de ter sido ajuizada a ação correta para o caso concreto (se de reintegração ou de manutenção de posse)4.

Aqui, o legislador permite que haja o máximo de aproveitamento da iniciativa daquele que sofreu violência com relação à sua posse, permitindo que o juiz receba a medida como sendo aquela que ele considera adequada à luz da ofensa à posse que está sendo constata no momento.

DA CUMULAÇÃO DE PEDIDOS

É lícito ao autor cumular ao pedido possessório (artigo 555 do CPC) o de: I - condenação em perdas e danos, pois pode ser que em razão do esbulho ou da turbação haja algum tipo de dano ao imóvel ou no caso do possuidor sofrer algum tipo de dano em razão da supressão da posse; II - indenização dos frutos, ou seja, os frutos indevidamente colhidos ou que não foram preservados e foram colhidos devem ser indenizados.

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Pode ainda ser requerida a imposição de qualquer medida necessária e adequada para evitar uma nova turbação ou esbulho ou para que seja cumprida a tutela provisória. Por exemplo, fixação de multa diária caso não haja a desocupação voluntária do bem após a determinação de reintegração de posse.

Haverá a cumulação de pedidos sem prejuízo do procedimento especial e da postulação pelo autor da liminar possessória.

DA NATUREZA DÚPLICE DA AÇÃO POSSESSÓRIA

É certo que a ação possessória tem natureza dúplice, ela não exige, para fim de permitir a proteção possessória do réu, a propositura de outra ação ou mesmo de reconvenção. É o que traz o artigo 556 do Código de Processo Civil: “é lícito ao réu, na contestação, alegando que foi o ofendido em sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor”.

O réu, na própria contestação, pode formular um pedido contraposto que permita que haja a sua proteção possessória na hipótese de, na verdade, o autor estiver ameaçando, esbulhando ou turbando a posse. Também, o réu poderá cumular, na contestação, os pedidos indicados no artigo 555 do CPC.

DA POSSE NOVA X POSSE VELHA

Existem dois tipos de ação possessória: a de posse nova e a de posse velha.

Se a turbação ou o esbulho aconteceu há mais de um ano e um dia, ou seja, se o autor esperou mais de um ano e um dia para tomar a medida de propor uma ação possessória, afirma-se que a posse é velha – ação possessória de posse velha. Nesse caso, aplica-se o procedimento comum do Código de Processo Civil, sem perder, contudo, o caráter possessório sendo cabível, ainda, a propositura de ação possessória.

Se até um ano e um dia é proposta a ação, a partir da turbação ou esbulho, está-se diante de uma ação possessória de posse nova. Aplica-se, aqui, o processo especial, em que há a possibilidade de liminar própria, uma vez preenchidos os requisitos específicos.

DA REPARAÇÃO DE DANOS E CAUÇÃO

Se o réu provar, em qualquer tempo, que o autor provisoriamente mantido ou reintegrado na posse carece de idoneidade financeira para, no caso de sucumbência, responder por perdas e danos, o juiz designar-lhe-á o prazo de 5 (cinco) dias para requerer caução, real ou fidejussória, sob pena de ser depositada a coisa litigiosa, ressalvada a impossibilidade da parte economicamente hipossuficiente.

Imagine-se a hipótese em que o juiz concede liminar para que o autor retome a posse do imóvel. Porém, essa tutela antecedente foi cancelada ou, no julgamento da ação, o autor foi sucumbente, haverá de se indenizar aquele contra quem foi proferida e concedida a tutela reparando as perdas e danos que ele sofreu em razão da efetivação dessa tutela provisória.

Assim, o réu pode ter o direito de vir a receber uma reparação pecuniária pelos danos sofridos em razão da indevida manutenção ou reintegração da posse a título de tutela provisória. Nesse caso, o réu percebendo que o autor não terá condições financeiras de pagar essa indenização, pode requerer ao juiz que o autor apresente uma caução, sob pena de depositar a coisa litigiosa como garantia.

DA PETIÇÃO INICIAL

Cabe ao autor provar na petição inicial: I - a sua posse; II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbulho; IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração.

DA LIMINAR

É certo que o que torna peculiar o procedimento especial das ações possessórias é a possibilidade de que a liminar seja deferida com requisitos específicos, os quais não se confundem com os requisitos gerais da tutela antecipada.

Preenchidos os requisitos da petição inicial, o juiz deferirá, inaudita altera parte, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração, caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado designando audiência de justificativa prévia e determinando a citação do réu para comparecimento. Nessa audiência, o juiz irá ouvir o autor e testemunhas, se tiver, visando a produção de prova para fins de concessão ou não da liminar.

Verifica-se, portanto, que a liminar pode ser concedida (I) de plano, ou seja, assim que apresentada a petição inicial, antes que o réu seja citado; ou (II) após audiência de justificação, oportunidade em que o autor poderá produzir provas para o juiz conceder a medida.

A participação do réu na audiência de justificação é limitada: ele não será ouvido, não poderá produzir provas. Porém, não é lícito que ela se realize sem a sua presença, pois ele tem o direito de acompanhar a produção de provas. A liminar é apreciada em decisão interlocutória, sendo o recurso adequado o agravo de instrumento para o réu impugná-la.

Considerada suficiente a audiência de justificação e as provas ali produzidas, o juiz expedirá mandado de manutenção ou de reintegração. Quando for ordenada a justificação prévia, o prazo para contestar será contado da intimação da decisão que deferir ou não a medida liminar.

A particularidade do procedimento especial é da fase inicial até a contestação. Após a defesa do réu, o procedimento a ser seguido será o comum.

DO INTERDITO PROIBITÓRIO

O interdito proibitório acontece em casos de ameaças que acontecem na iminência de uma agressão à posse. Prevê o artigo 567 do CPC que “o possuidor direto ou indireto que tenha justo receio de ser molestado na posse poderá requerer ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório em que se comine ao réu determinada pena pecuniária caso transgrida o preceito”.

O juiz expede um mandado proibitório, ou seja, um mandado proibindo o réu de prosseguir com a ameaça no qual será culminada ao réu uma pena pecuniária caso ele continue a ameaça, efetive a turbação ou esbulho ou transgrida esse efeito proibitório. Trata-se de uma ação com o fim de buscar a fixação de uma multa para proibir o réu de continuar a sua conduta ofensiva ao direito possessório do autor.

O procedimento, quando a ameaça ocorreu há menos de um ano e um dia, é o da ação possessória de posse nova. O juiz poderá conceder a liminar para fixar uma multa no caso de o réu não cessar a ameaça.

Caso o réu cometa turbação ou esbulho, o juiz utilizará o princípio da fungibilidade e concederá ao autor a reintegração ou manutenção da posse, bem como o réu incorrerá na multa, que será executada nos mesmos autos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil. 2º ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

GOMES, Orlando. Direitos reais. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

MARCATO, Antonio Carlos, Procedimentos especiais, 7a ed., São Paulo: Malheiros, 1997.

Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo / coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier – 1º ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

Scavone Junior, Luiz Antonio,– Direito imobiliário – Teoria e prática/Luiz Antonio Scavone Junior. – 9.ª ed. – rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015.


  1. Scavone Junior, Luiz Antonio,– Direito imobiliário – Teoria e prática/Luiz Antonio Scavone Junior. – 9.ª ed. – rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015, pg. 1.798.

  2. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo / coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier – 1º ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, pg. 922.

  3. MARCATO, Antonio Carlos, Procedimentos especiais, 7a ed., São Paulo: Malheiros, 1997, pg.115.

  4. Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo / coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier – 1º ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, pg. 916.

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